quinta-feira, 1 de abril de 2010

Solidariedade como estilo de vida

Por André Ricardo Reis

Elisa Freitas é uma jovem que completou 28 anos de idade distante dos pais e amigos. Isto por que há pouco mais de um ano ela deixou o Acre e embarcou para a África do Sul numa missão humanitária e evangelística àquele povo. Hoje ela estuda inglês com pessoas de diferentes países e ajuda a cuidar de crianças em meio à miséria e injustiça. Em setembro deste ano, ela pretende retornar ao Brasil trazendo experiências que mudaram sua vida, como a construção de casas para famílias carentes e visitas a tribos nativas.

André Ricardo: Quando e como surgiu a idéia de abrir mão do conforto de sua casa, do aconchego dos amigos, de tudo que você conquistou profissionalmente e embarcar para um país com uma realidade de confrontos sócio-culturais eminentemente diferente da sua?
Elisa: Há mais ou menos seis anos. Mas naquela época tinha vários sonhos e projetos em mente, os quais cheguei a realizar, mas descobri que eles não me traziam satisfação plena. Foi aí que, numa conversa com minha amiga Simone Casas, descobrimos um desejo em comum: o de levar os ensinamentos bíblicos de paz, alegria e amor ao próximo às crianças carentes da África. Não somente como palavras faladas, mas vividas, tentando suprir de alguma forma o que eles nunca tiveram oportunidade de experimentar.


Tem muita gente envolvida neste mesmo ideal?
Estamos em uma Base Internacional da Jocum (Jovens com uma missão) na cidade de Worcester – South África. Os treinamentos para ir a campo são ministrados todos em inglês para pessoas de treze diferentes nações, com apenas três brasileiros. Não tem sido fácil, pois estou em período de adaptação. Agora não estou somente estudando o inglês, mas também aprendendo através do inglês. Acordo e durmo ouvindo inglês. Estou conseguindo acompanhar as aulas, mas minha comunicação com os demais estudantes, em inglês, ainda é um pouco difícil (risos). Eles falam muito rápido e tem diferentes pronúncias por serem de diferentes países. Mas é um projeto grandioso.


Você falou que este projeto envolve crianças carentes. Como funciona?
Temos cerca de 200 crianças. Tem sido muito difícil, pois eles não falam o inglês e vivem em um estágio de pobreza que eu nunca vi antes. Você não tem noção do que é trabalhar com estas crianças! É diferente de tudo que já vi na minha vida. Uma das crianças que temos cuidado, uma menininha de três anos, foi estuprada pelo vizinho (emociona-se). O maior problema é que agora temos que esperar o tempo para fazer o exame de HIV. Fiquei muito abalada. Depois descobri que duas meninas que estão na Base da Jocum junto comigo também sofreram abuso.

E o que as autoridades têm feito diante dessa situação?
Que nada! (em tom sarcástico). Aqui isso é normal. É como roubar um beijo. Quero muito ajudar a mudar esta história, mas tem horas que me sinto tão inútil que tenho vontade de voltar para casa. Ë muita coisa para fazer e pouca mão de obra.

De que forma você acha que pode ajudar?
No primeiro dia, quando me deparei com a realidade daquele povo, e principalmente daquelas crianças, confesso que fiquei muito mal e até chorei. Me senti uma inútil diante de tanta miséria, injustiças e eu não podia fazer nada para mudar. Este mês estaremos construindo dez casas pré-moldadas para ajudar dez diferentes famílias. E nós mesmos quem vamos construir (gargalhada). Pedra por pedra, tijolo por tijolo, até ficar pronta. Temos feito o que esta ao nosso alcance, mas não é o suficiente.

Além do trabalho com crianças carentes, você esteve em uma tribo nativa. Como foi esta experiência?
Passei uma semana em meio aos Maasi – uma tribo nativa da África. Foi cansativo, porém maravilhoso. Andamos bastante debaixo de um sol escaldante. Andar na África não é brincadeira. E com um detalhe: os nativos nunca cansam (risos). Eles andam o dia todo. A alimentação durante o dia não é boa, é apenas farinha com água. Mas pela noite o jantar é repleto de frutas e legumes locais, além de um mingau feito de milho. Quando chegamos à tribo foi uma loucura. Eles nos paravam querendo tocar e falar conosco, pois somos brancos e muitos deles nunca viram de perto um branco. E olha que eu nem sou tão branca! (risos) Foi divertido, mas há também a preocupação em se manter saudável. Temos andado em meio a muita sujeira. Muita mesmo! Isso sem contar com a malária que se espalha como a gripe.

Como essas mudanças culturais e sociais refletem em sua personalidade, caráter, visão de mundo? Seus conceitos foram revistos?
São muitas mudanças em minha vida. Estas alterações, por muitas vezes, trouxeram sentimentos de perda ao meu coração. Várias vezes senti que tinha perdido minha família, meus amigos, minha esperança, minha alegria, minha língua, minha personalidade, meu amor próprio. Não é fácil!

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